ISOLAMENTO: CURTIR OU NÃO CURTIR?
Durante este período de isolamento que estamos passando, veio-me a lembrança de um isolamento pelo qual passei faz alguns anos.
Sempre acreditei que a biologia é um sacerdócio, porém não é nenhum sacrifício. O biólogo sempre tem grandes recompensas e uma delas é conhecer lugares fantásticos.
No verão de 2013 recebi um convite para participar de uma atividade num local inóspito e isolado do mundo, situado a 1.200 km da costa do estado do Espírito Santo – a Ilha da Trindade. O arquipélago de Trindade e Martin Vaz é o ponto mais afastado do território brasileiro, no Oceano Atlântico. O acesso à ilha é extremamente restrito, e o nosso deslocamento do Rio de Janeiro até a ilha, no segundo maior navio da Marinha do Brasil (NDCC “Almirante Saboia”), demorou quatro dias.
A primeira sensação que se tem, ao ver a ilha é de deslumbramento. Trindade surge “do nada”, no meio do oceano, com seu relevo majestoso. A ilha tem uma área de 9,28 km2 (pouco mais de 4 km de comprimento por pouco mais de 2 km de largura), a parte emersa atinge 620 m de altitude e as profundidades oceânicas ao redor dela atingem 5.500 m.
Em Trindade existe um Posto Oceanográfico, mantido pela Marinha, no qual permanecem aproximadamente 40 militares, os quais são substituídos a cada dois meses. Além disso, foi construída uma estação científica que pode comportar até oito pesquisadores.
Ficamos 62 dias na ilha, com comunicação precária com o continente, convivendo com aproximadamente 40 estranhos, sem nenhuma possibilidade de sair de lá antes de o prazo previsto. O navio, após deixar os novos ocupantes da ilha e os suprimentos, retorna para o continente.
Então, o que fazer para manter a sanidade física e mental num ambiente isolado como esse? Acredito que a principal receita seja estabelecer “rotinas”, ou seja, planejar seu dia a dia e executar o planejado.
Nosso trabalho na ilha era avaliar os eventuais impactos da instalação e uso da Estação Científica no ambiente, principalmente, em relação às aves.
Nossa rotina consistia em deslocamentos por terra, pelas diversas trilhas da ilha, em busca de registros das aves (visualizações diretas, locais de alimentação, repouso e nidificação, comportamentos). Alguns deslocamentos foram feitos também por água, no entorno da ilha, para chegar a locais inacessíveis por terra. Iniciávamos nosso trabalho sempre ao nascer do Sol (aproximadamente às 4h30min) e encerrávamos no final da tarde. Com relação às refeições, o café da manhã e a janta eram sempre no refeitório geral dos militares; e o almoço, normalmente, era no campo. Assim, seguimos por mais de dois meses, até retornarmos, após mais cinco dias de navio, para casa, felizes pelo retorno e podermos reencontrar nossos entes queridos, porém, tristes por termos deixado a “Fantástica Ilha da Trindade”.
Mas o que essa história tem a ver com a atual situação de isolamento/distanciamento social que estamos vivendo? Muitas pessoas estão chegando ao seu limite de sanidade física e mental. Mas será que essas pessoas se planejaram ao se verem “obrigadas” a essa situação ou simplesmente se trancaram em casa e estão esperando a pandemia passar? Você está planejando seu dia a dia? Tente montar um planejamento diário, faça coisas diferentes, aprenda coisas novas… Já pensou em jogar/aprender xadrez e praticar com seu pai/irmão? Já se imaginou cozinhando com sua mãe? Já ajudou seu irmão com as tarefas da escola? Qual livro você está lendo? Já tentou propor para a família mudar a posição dos móveis na casa? Enfim, existem várias coisas que podem ser feitas, mas não as faça aleatoriamente, planeje suas atividades, ou seja, crie rotinas diárias e ponha em prática.
Dessa forma, acredito que será mais fácil “curtir” o isolamento como se estivesse em um lugar muito legal, como a Ilha da Trindade.
Vamos em frente… no final tudo se resolve… caso não esteja resolvido é porque o final ainda não chegou…
Créditos:
Texto e fotos: Professor Dagoberto Port- Biologia